quarta-feira, 28 de abril de 2010

Entrevista a Teresa Durães, autora do romance Navia

NAVIANo sábado dia 1 de Maio, às 16h00, será realizada uma apresentação do romance Navia na Bertrand do Fórum Montijo

Teresa Durães, autora do romance Navia, concedeu esta entrevista via facebook e correio e electrónico.

Agradecemos teres acedido ao nosso convite para esta entrevista virtual. Queres começar a entrevista por fazer uma apresentação pessoal?

Nasci em Lisboa em Dezembro de 1969, licenciei-me em engenharia informática, profissão que ainda exerço, e tenho dois filhos para além de dois cães adoráveis!teresa

Navia é o teu primeiro livro? 

Este é o meu primeiro livro editado.

Como surgiu a ideia para o livro?

Quis começar a compreender as raízes do nosso povo, tradição e religião, porque a nossa história não começa com D. Afonso Henriques como nos fazem crer na escola. Daqui foi um pulo para a comparação entre a época actual e a que imaginei ser a vida no séc. V dos lusitanos não romanizados.

Como realizaste a pesquisa para o livro?

Através de livros de história (que fornecem pouca informação sobre esse século), nomeadamente José Mattoso, Leite de Vasconcelos para o estudo das religiões e Moisés Espírito Santo, sociólogo. Também consultei os museus on-line para pesquisar os ornamentos usados, armas e outros. Li monografias de arqueólogos sobre as últimas descobertas.
Existe a ideia que os lusitanos eram um povo. Na realidade é somente uma região denominada pelos romanos. Essa região era composta por tribos diversas com diferenças entre si.

O tema Lusitânia encontrasse esgotado ou crês que tem potencialidade para a literatura portuguesa, como os Celtas têm para a literatura de língua inglesa?

Até ao momento apenas li um romance sobre Viriato e outro sobre Sertório. Acredito que hajam mais sobre estes temas. Começando nas guerras púnicas até à conquista cristã, penso que ainda existe bastante para explorar. Na literatura inglesa nota-se o orgulho que prevalece nas raízes do povo bretão. Por cá, penso que a maioria desconhece o nome dos deuses lusitanos.

Em Navia a narrativa é sempre na perspectiva das mulheres. Na tua opinião existe na História falta do testemunho das mulheres, do seu ponto de vista e da divulgação das suas acções?

Sim, bastante. Até há pouco tempo as mulheres não tinham voz na sociedade. A História foi escrita pela igreja, a literatura bem como as outras artes pertenciam aos homens. De momento, em Portugal, só recordo Florbela Espanca como sendo a excepção no início do séc. XX. Tendencialmente valoriza-se apenas os actos de poder, seja económico, político ou da guerra. Ainda hoje, são poucas de nós que se envolvem nessas actividades mas a realidade tem muitas formas de ser vista e existe muito mais para além disso tudo. O testemunho da História ou da vida actual, feito pelas mulheres, será sempre a outra metade que necessita de ser relatada.

Quando Navia contacta com a sociedade cristianizada estranha a ausência de deusas. Até que ponto a eliminação das deusas na sociedade judaico-cristã contribuiu para a subalternização do papel das mulheres?

O papel da mulher começou a ser inferiorizado com Aristóteles que defendia que a mulher era um ser incompleto. As três grandes religiões acreditam num Deus masculino. O cristianismo tornou a sociedade completamente patriarcal com a sua trindade masculina. A igreja automaticamente relegou a mulher para um plano inferior. Na minha opinião, enquanto existiam os cultos às Deusas, a feminilidade ia para além de um objecto de adoração e alvo de tentação. Era a força criadora, a natureza benévola ou violenta. A sua participação na criação e na vida andava lado a lado com os Deuses.

Há sociólogos que consideram que o culto Mariano é uma forma de substituição da Deusa Mãe. Maria é adorada na sua forma maternal, com Jesus ao colo, onde através da oração pede-se a sua protecção. É a ela que as intenções são dirigidas e não ao seu filho. Penso que esta faceta está mais salientada do que a mãe de Cristo, a virgem.

Ana, a personagem contemporânea, “prefere o seu estatuto de mulher ausente” num meio de “homens de sucesso ” que se “inflamam com a sua importância exterior”, “espectadora de um cenário que decorria na sua frente”. O conformismo é sentimento não valorizado, um direito negado na sociedade actual?

Não concebo que a demonstração exterior de poder, riqueza, beleza ou competência profissional sejam apenas a forma de realização pessoal ou de vida. Acredito que haja quem as considere importantes para se satisfazerem.

Não deixamos de ser animais e a natureza impõe a existência de um alfa masculino, o líder de grupo. Infelizmente não funcionamos como as matilhas onde os seus líderes existem para protecção dos restantes. Talvez daí exista maior coesão a nível da sociedade com um Deus que vela por ela.

Ana não quer ser actriz numa sociedade que não acredita. Ela despreza a forma de vida que vê à sua volta mas não sabe como enfrentá-la ou recusá-la. Não diria que seja conformista, antes desiludida sem entender que existem outras opções.

De qualquer forma, sim, o conformismo tem direito a existir e ser aceite sem crítica. Pessoalmente conformei-me com o facto de ter ainda muitos anos de trabalho pela frente até poder reformar! Dispensaria de bom agrado.

Consegues vislumbrar diferenças na vivência actual de Ana, se a história pré-cristã não tivesse sido varrida do conhecimento generalizado?

Durante quase dois mil anos, a igreja teve um papel de força e regras na sociedade, não como forma de libertação mas antes o contrário, o pensamento humano foi bastante moldado. A religião cristã gera o sentimento de culpa logo no nascimento – nasce-se em pecado. Para não morrermos da mesma forma necessitamos de perdão para os nossos erros. De uma forma ou de outra, muitos vivem sob o peso dessa culpa que, na realidade, nem sei qual é.

Hoje, falar em Deuses e Deusas, em ritualização do trabalho, compreensão dos ciclos da natureza, significa quase ignorância, o enouquecimento e consequente, o desprezo. A História passou a ser uma linha temporal, a ciência parece que luta com as religiões para ser a detentora da verdade. E a verdade, tal como a vejo, é não haver nenhuma, existem apenas muitas.

Talvez existisse menor pressão nas regras não escritas, na conduta aceitável. Não sei, este último século foi devorador – sobrevive quem acatar o modo de vida sem questionar muito. E Ana está, sem dúvida, deslocada do que é considerado aceitável.

Quando referes que a escrita deste livro é uma “abertura à intimidade” podemos inferir que Navia possui apontamentos autobiográficos?

Sempre que escrevo baseio-me em algumas emoções ou vivências que tive, extrapolando e explorando caminhos que poderiam ter sido possíveis, através de personagens fictícias. Não descrevo a minha vida ou a minha forma de pensar. Posso criar um espaço onde tento entender algumas dualidades que sinto. Mas sinto que estou a expor o meu mundo fantástico, aquele que temos só para nós.

Posso dizer que, tal como a Ana, sem ser de uma forma tão abrupta, também não percebo muito o conceito de vida que muitos têm. Não me incomodaria se não interferisse com a minha.

O que te deu mais prazer fazer?

A pesquisa e a escrita.

Como se lê o nome da heroína, Návia ou Navia?

O nome Navia vem referenciado em pedras sepultares onde também aparece escrito Navea. É uma divindade das águas. Como a língua utilizada não é a actual mas a do povo lusitano e da Gallecia, não posso assegurar como se deve ler. Pessoalmente, assim que o vi soou-me a Návia.

Olhando retrospectivamente qual foi a tua primeira obra? Que idade tinhas?

Comecei aos onze anos, naqueles cadernos de capa preta que se usavam, a escrever histórias. Não se definem como romance devido ao seu tamanho. Aos dezasseis anos escrevi um romance infantil mas apenas aos 24 anos comecei mais a sério.

Defines-te como romancista?

Sim, gosto de poder estender a escrita pelas páginas que necessito, ao contrário da poesia. Costumo comparar o romance ao filme e a poesia à fotografia. Pensar nas acções que as personagens tomariam em determinado momento é aliciante

Gostas mais de escrever ou de falar?

Esta pergunta é bastante fácil. Fico muito tímida perante um grupo grande. Não gosto de falar em público.

Já sentes a pressão de ser figura pública?

Não, de maneira nenhuma. Não sou uma figura pública!

Qual é a tua expectativa em relação à aceitação do livro?

Até ao momento do lançamento tentei não criar expectativas. Entretanto tenho recebido reacções bastante boas. É estranho entregar uma obra criada por mim ao público. Faz-me sentir exposta. De qualquer modo, como sou uma nova autora é sempre difícil de dar a conhecer a obra.

A Internet concorre com o livro ou a Web 2.0 está contribuir para a produção literária?

Não creio que a internet concorra com o livro, pelo menos para mim. Penso que as editoras e livrarias sentem o mesmo ou já teriam queixado da descida de vendas.

A Internet, com o seu anonimato, ajuda muito à exposição da produção literária. Falo por mim, também. Ao criar um blog, e começar a escrever nele, ajudou-me a deixar de ser tão receosa a mostrar o meu trabalho. Acabei por me libertar.

Quais são as tuas referências culturais?

Na literatura? Adoro ler, devoro livros e se não consigo mais é por falta de tempo. Acima de tudo gosto bastante de romances onde é questionada a nossa natureza, emoções, o sentido. Albert Camus é extraordinário, Herman Hess voa na interioridade. Tenho também paixão por Erich Maria Remark com as suas personagens que tentam compreender e viver com a solidão. Mas leio de tudo um pouco. Os clássicos do sec. XIX, literatura fantástica e até alguns autores juvenis como Ursula K. Le Guin. Não gosto de policiais nem suspense ou terror sejam de que autor for.

Tens mais obras à espera de publicação?

Sim, tenho, várias. Uma delas, que estou a efectuar uma revisão, passa-se no sec. VI com a chegada de Martinho de Dume que foi para a Gallecia com o intuito de converter os “rústicos” (como lhes chamava).

Os nossos votos de sucesso para Navia e para as tuas futuras obras.

Obrigada.

Sinopse

Navia, nasce no ano 410 D.C, época em que a Lusitânia encontra-se instável devido às invasões dos Suevos, Alanos e Vândalos. O Cristianismo começa a espalhar-se mas tanto a nova religião como a antiga ainda vivem lado a lado. Ela vive num Castro na montanha.

Ana, nascida neste século, não consegue adaptar-se ao estilo de vida que a sociedade impõe.

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3 comentários:

  1. Interessante e fantástico, Romance da nova Autora, Teresa Durães.

    Creio que uma obra é do autor e passa também a ser do leitor, pois cada um retira uma mensagem dela. Retirei das páginas vários pensamentos."


    Deixo-vos aqui um cheirinho da escrita de Teresa Durães para vos abrir o apetite:

    Nunca via a tua cara. Se calhar, não a tens, só contornos negros que povoam os meus sonhos. Conheço a tua voz. Tantas vezes te procurei entre os rostos que por mim passaram, tantas as vezes em que dei o meu corpo só para te encontrar. E nunca te encontrei vivo. Um sorriso, uma frase, tu revelas-te a cada passo. Apercebia como me enganava à medida que me entregava. Voltavas a desaparecer ficando nos meus braços rostos desconhecidos.
    Tantas vezes me enganei.


    Cumprimentos
    Vanda Tiago

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  2. Uma boa entrevista revelando a autora por detrás da obra. Gostei da trindade masculina. Talvez o erro da mulher contemporânea tenha sido o de tentar ocupar o lugar das deusas proscritas.

    Mas o melhor é ler o romance da Teresa.

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  3. Deixo os meus parabéns por este excelente Blog. Para a Teresa um grande abraço e o meu agradecimento por me ter concedido a honra de apresentar este seu romance em Lisboa

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